Reféns da seca

terça-feira, novembro 06, 2012
No trajeto das vidas secas, iniciado ontem por este blogueiro, penetramos num mundo de sofrimento, dor e emoção. Dor de ir ao encontro de tantos Severinos, do enredo Morte e Vida Severina. Dos Riobaldos, de Graciliano Ramos. Seu traço comum é a permanente luta pela sobrevivência numa região inóspita, marcada pelo abandono, traçada pela morte, identificada pela fome estampada na face.
Em Lajedo, o garoto Pedro Neto Alves, o Pedrinho, de apenas 7 anos, é o mais jovem pastor de ovelhas. Acompanha o pai, tangendo o rebanho de ovinos e caprinos, pelo meio da estrada, debaixo de um sol causticante, de chinelo e calção. Bem que poderia, ao invés de pastorear as ovelhas, estar na escola se preparando para o mundo.
Pedrinho é magro, desconfiado e gago. Seu semblante, de tristeza. Mas sabe de cor e salteado o nome de todos os bodes e ovelhas da criação do seu pai. E até o preço, quando algum animal é colocado à venda. Aprendeu com o pai, “seu” Salustiano, de 52 anos, a árdua missão de vigiar os bichos pelo mato a procura de pasto, o que está cada dia mais difícil no semiárido.


Em Cachoeirinha, terra famosa pelos seus queijos e carne de sol, além das peças produzidas para a indumentária dos vaqueiros, Paulo Silva, o Paulinho, de apenas dois anos, brinca com garrafas de plásticos na beira da estrada, recolhidas pelo pai Francisco e a avo Maria. Seu brinquedo, numa tulha de lixo, é o ganha-pão da família do pai.
Família encontrada na beira da estrada também, vivendo num barraco em terras invadidas. A prole de Paulinho cata lixo reciclável pela cidade para ganhar R$ 60 por mês, quando muito. Dona Maria, a avo, veio de longe, do Espírito Santo. É uma viúva da seca, retirante lançada à sorte, que passa fome e sede.
“Só Deus sabe o nosso sofrimento”, diz ela, uma senhora de 50 anos, mas com traços de sofrimento que marcam na sua face mais de 60 anos. No seu barraco, dorme no chão, enfrenta dias de cão e noites infernais, porque não há nem um colchão para o netinho, que chora de fome e de dor.


Em São Bento do Una, município que se destaca no Nordeste como o maior produtor de frangos e ovos, sendo destaque na avicultura nacional, dona Adélia é outra refém da seca. Perdeu o marido, há pouco, dizimado pelas doenças trazidas pela seca. Vive da cria de porcos no quintal da sua casa no sítio Rajada, a 1 km onde foi encontrada, em frente a um galpão de frangos e galinhas para abate.
Ali, ela foi fazer o que faz todos os dias: esmolar restos de comida, a lavagem, para levar aos seus porcos sedentos e famintos. Dona Adélia diz que tem duas pensões. Com o dinheiro de uma, gasta com água para não deixar suas criações morrer. Com a outra, paga os remédios na farmácia, para ela própria não sucumbir.
“Minha vida é uma tristeza, mas vou levando assim, como Deus quer”, afirma Adélia em meio aos tonéis numa carroça que usa todos os dias recolhendo lavagens nos aviários da cidade.


Jurandir de Oliveira Silva, agricultor de mãos calejadas, aos 48 anos, vive, hoje, na zona rural de Gravatá, catando peixes quase mortos num riacho enlameado, quando poderia estar na sua roça de milho e feijão, que perdeu completamente, devastada pela forte estiagem que se abate na região.
“O peixe fede, mas serve para matar a fome dos meus filhos em casa. Não temos outra forma de matar a fome”, diz ele.  Jurandir já se acha velho para tentar a sorte em São Paulo, de onde voltou há 10 anos. Lá, trabalhou como ajudante de pedreiro e vigia, mas não aguentou a cidade e voltou à pátria natal para se transformar também em refém da seca.
A seca é assim: escraviza, cria uma legião de esfomeados. Fáceis de serem encontrados em qualquer parte dos sertões euclidianos. Gente que não tem bolsa família nem qualquer tipo de ajuda dos órgãos públicos e que espera apenas uma coisa na vida: que volte a chover em seu torrão, para iniciar tudo de novo: o plantio da lavoura, que adiante não vai resistir, mais uma vez abatida pelo sol implacável da maior seca dos últimos 50 anos no Nordeste.
 
Escrito por Magno Martins, às 08h05
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