Sarney: “A política é cruel e o embate não tem limites”

quinta-feira, janeiro 24, 2013

José Sarney (PMDB-AP) está prestes a deixar a Presidência do Senado, que ocupou quatro vezes nos últimos 17 anos. Em 2014, Sarney vai completar o terceiro mandato como senador pelo estado do Amapá. Entre 1971 e 1984, esteve na Casa como representante do Maranhão.
Sarney destaca modernização 
e transparência em suas 
gestões
“Já são 35 anos dentro do Senado. Na história da República eu sou o senador que mais tempo passou aqui”, destaca Sarney, lembrando que Ruy Barbosa teve 32 anos de Senado.
Sarney registra que não será candidato à reeleição, mas ressalta que não é por falta de apoio popular. Ele lembra que o ex-deputado federal Virgílio Távora (1919—1988) dizia que duas coisas fazem o político abandonar a carreira: ou o político larga o povo, ou o povo larga o político. “Graças a Deus, nada disso aconteceu comigo”, diz.
Sobre o próximo presidente do Senado, Sarney ressalta que “isso depende da escolha do Plenário”. Ele, no entanto, admite que Renan Calheiros (PMDB-AL) deve ser um dos candidatos e que o colega de partido tem muita experiência: “Já foi presidente da Casa e tem grande capacidade de diálogo e conciliação”.
Sarney conta que tentou desestimular o envolvimento de seus filhos na política, por conta das agruras da atividade. Dois deles, no entanto, seguiram a carreira do pai: o deputado federal Sarney Filho (PV-MA) e a governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Sarney admite, porém, que gostaria que os filhos repetissem a trajetória política dele.
Nesta entrevista, José Sarney avalia os mandatos como senador, fala sobre as realizações da carreira política e a forma como lida com denúncias, e não deixa de tocar em assuntos como Deus, frustrações, vida e morte.

Como o senhor avalia seus mandatos como senador?
Sempre tive a preocupação com a atualização, com a modernização e com o apoio científico aos trabalhos do Senado. Na década de 1970, fui presidente do Instituto de Pesquisa e Assessoria do Congresso, que visava oferecer assessorias competentes à atividade parlamentar, convocando a inteligência nacional. Assuntos como energia nuclear, hidrelétricas e abertura democrática estavam entre os trabalhos do instituto. Ainda como senador, em 1993, eu propus a informatização do Senado. Foi constituída uma comissão, da qual eu era membro, e o resultado foi a criação da Secretaria Especial de Informática do Senado Federal (Prodasen).
Qual herança o senhor deixa como presidente do Senado?
Nunca gostei de participar das mesas de direção. Mas, em 1994, eu me rendi aos apelos para assumir a Presidência do Senado. Minha preocupação com a modernização se redobrou, e acho que entramos na era da modernidade do Senado. Parecia que o Senado ainda estava no século 19.
Sempre tive preocupação com a transparência, pois a modernidade traz um novo interlocutor: a opinião pública, que se manifesta por meio da mídia, das redes sociais ou pelas organizações civis. Com isso, nós achamos que o Senado devia se atualizar para ter sua presença diante da opinião pública. Daí, houve a criação da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secs), com a TV, a Rádio, o Jornal e a Agência Senado. Serviços como o DataSenado, a Ouvidoria, o e-Cidadania e o Alô Senado vieram assegurar uma transparência cada vez maior. Também destaco a informatização das sessões e da frequência dos senadores, as notas taquigráficas em tempo real na internet e o [site de busca de legislação] LexML.
Na área administrativa, houve o incremento dos cursos do Instituto Legislativo Brasileiro e a aquisição de livros raros para a Biblioteca, além dos Programas Pró-Equidade e Senado Verde. Modernização e atualização têm sido a minha marca por onde tenho passado na administração pública.
O senhor já foi deputado, governador, senador e presidente da República. É empresário e membro da Academia Brasileira de Letras. Falta algo a conquistar?
Todo homem chega ao fim da vida com uma certa frustração, não das coisas que fez, mas pelas coisas que deixou de fazer. Quando a gente entra na política, é pelo desejo de melhorar a sorte de seu município, de seu estado, de seu país, e até de melhorar a sorte da humanidade. Essa é a grande vocação da política. E sempre fica uma frustração por ainda não ter conseguido todas essas coisas.
Fico meio decepcionado quando vejo que todas as ideias políticas no mundo prestaram menos serviço ao povo do que Alexander Fleming, com a penicilina; Albert Sabin, com a vacina contra a paralisia; ou as inovações de Thomas Edison ou Steve Jobs. Sempre fica a ideia de que ainda há alguma coisa por fazer. Quando Deus fez o mundo, não o fez com tudo perfeito, mas deixou o homem com a capacidade de cada dia melhorar um pouco.
Eu sou um otimista com a humanidade, e acho que haverá um dia em que o homem vai conseguir aquilo que Thomas Jefferson chamava de “a busca da felicidade”. Isso será daqui a milênios, mas vai acontecer.
Ao longo da sua trajetória, o senhor teve de lidar com denúncias de irregularidades. De que forma o senhor convive com isso?
A política é cruel, e o embate político não tem limites. A primeira coisa que muitos fazem é tentar desqualificar o adversário. Então se inventa tudo e se é submetido a todas as injustiças. Quanto mais responsabilidade, mais se é combatido. Faz parte da prática e da instrumentação política. É terrível pra quem faz política e desmoraliza a atividade política. Por isso, o povo julga tão mal os políticos. São os próprios políticos que constroem esse julgamento.
Quanto a mim, como eu sei que são inverdades, eu lido como se fosse com uma terceira pessoa. Eu sou cristão, e Deus me deu essa graça. Deus já fez tanto por mim — como o país em que ele me fez nascer e a vida que ele me permitiu construir, tanto na literatura quanto na política — e ele me pede uma coisa apenas:
“Perdoai os vossos inimigos”. Por que vou negar isso a ele? Então eu perdoo e fico tranquilo.
Na história do Brasil, muitos sofreram muitos ataques. Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, muitos presidentes. Mas eu vejo que tudo isso passa. Os excessos que a imprensa constrói, o tempo destrói.
O senhor completou 82 anos, em 2012, passando por um susto. Teve de ser internado para tratar do coração. O senhor tem receio da morte?
O corpo começa a dar sinais, algumas peças começam a ficar com a validade vencida (risos). Eu até escrevi um poema, Homilia do Juízo Final, em que eu termino dizendo: “Tenho um encontro com Deus. /— José! onde estão tuas mãos que eu enchi de estrelas? / — Estão aqui, neste balde de juçaras e sofrimentos.” Juçara é outro nome para o açaí.
Qual o momento mais difícil?
Foi quando me ligaram de madrugada, em 1985, avisando que eu iria assumir a Presidência da República. Não conhecia ministério nem programa de governo. Diziam que a democracia iria morrer nas minhas mãos. Mas não morreu. Pelo contrário, floresceu.
Convivi com grandes homens públicos. Corro o risco de fazer alguma injustiça, mas, se eu tivesse que apontar aquele de quem mais sinto falta, seria Tancredo Neves.
Há algo que o senhor considere que seja o seu legado político para o Brasil?
Destaco a transição democrática e os programas sociais, que tanto bem fazem ao povo brasileiro. Depois de ser presidente, tive a felicidade de ver todas as classes sociais colaborando com a vida do país. A República começou com os barões do café, passou pelos militares, pelos bacharéis e tivemos um operário como presidente. Hoje temos uma mulher na Presidência. Há país mais democrático? Isso foi fruto de um trabalho que passou pelas minhas mãos.
A prioridade era apenas econômica, e eu coloquei a causa social na pauta quando fui presidente da República (1985—1990). Todos esses programas que hoje foram ampliados começaram naquele tempo. Com o Plano Cruzado (1986), tive coragem de colocar minha cabeça a prêmio, com o congelamento de preços. Procuramos outro caminho que levou ao Plano Verão, ao Plano Collor e até ao Plano Real. O Plano Real esteve em nossas mãos, mas não havia mais tempo para implementá-lo. Na minha vida, a orientação sempre foi procurar ajudar, construir, unir e buscar a paz.
Jornal do Senado

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