Organização de protestos pode indicar 'novidade' política no Brasil
"Pesquisadores, jornalistas e políticos, todo mundo foi pego de surpresa. Ninguém esperava que (os protestos) assumissem as proporções que assumiram na segunda-feira", diz Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para Teixeira da Silva, o motivo para essa surpresa deve-se, em parte, ao fato de o Brasil não estar vivendo em condições econômicas e políticas parecidas com outros lugares onde emergiram grandes protestos recentemente, como os países atingidos pela crise na Europa ou pelos movimentos da Primavera Árabe.
"Não é nenhuma situação de depressão econômica, desemprego e cortes de benefícios sociais, nem é uma ditadura (como em alguns países árabes). A meu ver, (o movimento) não tem nada a ver com inflação, não tem nada a ver com PIB pequeno ou coisas desse tipo. É uma revolta política, claramente política", diz.
Na avaliação do historiador, os cartazes com dizeres contra os partidos políticos levados por manifestantes em diversas cidades do país evidenciam o que ele classifica como "uma rejeição à elite política e aos gestores públicos brasileiros", causada por fatores que vão desde as más condições do transporte público ao modo como grandes eventos estão sendo organizados no país, passando por escândalos políticos como o mensalão.
Novidade
Para Teixeira da Silva, algumas novidades apresentadas pelo movimento de protestos, como a espontaneidade, a ausência de lideranças claras e o fato de ele estar sendo organizado na forma de rede, torna difícil fazer avaliações sobre o impacto e o futuro das mobilizações.
"Como o movimento é muito espontâneo, deriva de redes, não tem lideranças específicas, nós não podemos fazer nesse momento nenhuma avaliação. Está tudo em movimento", diz o analista, para quem a reivindicação de diminuição de tarifas dos ônibus em diversas cidades, encabeçada pelo Movimento Passe Livre, foi apenas o estopim para as manifestações.
"O passe livre foi o estopim. A violência da polícia foi o elemento que criou as condições para a adesão de grande maioria de pessoas. (Mas) algumas coisas estão claras: se a polícia voltar às ruas com violência, a situação corre o risco de se tornar descontrolada".
Democracia
André Martins, professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ, concorda que a mobilização pela diminuição nos preços das tarifas dos ônibus serviu como um estopim para que os manifestantes expressassem um descrédito mais amplo contra as instituições políticas.
Para ele, as manifestações, que encontram grande parte de seu poder de mobilização nas redes sociais, acabaram se consolidando como um movimento "antipartido político" o que pode indicar uma nova forma de se fazer política.
"Eles estão fazendo política, estão fazendo uma política mais honrosa do que a dos partidos. É uma nova forma de fazer política nas ruas, da própria multidão", diz.
Martins avalia que, embora o grupo que está na rua não conte com as características de organização e mobilização vistas na maioria dos movimentos sociais e partidos, as manifestações não devem enfrentar dificuldade para mobilizar adeptos.
"As redes sociais já têm uma forma própria de mobilização que me parece que já está consolidada. É uma mobilização por causas, não por ideologias pré-definidas", diz o filósofo, para quem as redes sociais estão exercendo um papel ainda mais amplo.
"As redes sociais estão fazendo o papel da verdadeira democracia, porque a verdadeira democracia é participativa e não representativa", diz.
Mobilização
Acompanhando pessoalmente as manifestações em São Paulo desde o início, o cientista político Pedro Fassoni Arruda, professor do Departamento de Política da PUC-SP, afirma que a "horizontalidade" da organização do Movimento Passe Livre representa uma novidade em grupos do tipo no Brasil, mas diz que a entrada de outros atores nas manifestações e a proliferação de reivindicações pode criar distensões e fragmentações.
"A cada protesto, uma quantidade maior de pessoas adere. Agora, existe sempre o risco de perder o foco da reivindicação. O Movimento Passe Livre tem como principal bandeira de luta a revogação do aumento das tarifas e também, no longo prazo, a tarifa zero. Mas a gente também vê outras pessoas pegando carona nos protestos", diz.
Arruda - que compara os atuais protestos aos que pediam o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, na década de 1990 - afirma ter visto manifestantes defendendo as mais diversas pautas durante a mobilização da última segunda-feira em São Paulo, incluindo a redução da maioridade penal, tese que costuma ser rejeitada por grupos de esquerda.
O cientista político avalia que há o risco de que tal proliferação de pautas possa acabar por comprometer o impacto político do movimento pelo passe livre. Para ele, o futuro do movimento de protesto vai depender de como ficará a correlação entre as diversas forças de reivindicação presentes nas próximas manifestações.
"(A pluralidade de pautas) pode ser um ponto fraco, justamente porque o movimento acaba perdendo a direção, o foco. Muitas pessoas que, por exemplo, participaram pela primeira vez do protesto sequer conhecem quais são as propostas do Movimento Passe Livre".
Arruda também avalia que as posições antipartidárias de algumas pessoas que participam de manifestações pode acabar por criar divisões e rivalidades dentro do movimento.
"O Movimento Passe Livre se reivindica um movimento apartidário, mas não antipartidário. Mesmo assim, havia muitas pessoas antipartidárias (nas manifestações). Por exemplo, foi noticiado que algumas pessoas tentaram arrancar à força bandeiras (de partidos). Isso acaba contribuindo para dividir, para fragmentar, para criar distensões e rivalidades entre esses movimentos", diz.
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