A Copa e a decisão do voto
Érico Firmo
A Copa do Mundo é, desde sempre, um espetáculo de componentes políticos, escrevi antes de o torneio começar. É natural que envolva disputa também ideológica e mesmo partidária. E há certos debates que são mesmo necessários, uma vez que o torneio é realizado no Brasil, em meio a muita discussão e polêmica. Mas, nenhuma novidade, a fronteira do ridículo é muitas vezes ultrapassada. Se há grandes jogos, a Costa Rica brilha, o David Luiz faz gol, o Júlio César faz milagre e o Robben joga demais, isso é explorado pelos aliados como mérito de Dilma Rousseff (PT), que organizou a “Copa das Copas”. Quando falta comida nas lanchonetes, os banheiros entopem e os gramados ficam desgastados e, ainda quando a seleção é goleada e a Argentina vai à final, isso também é usado para desgastar o governo. Não deixa de haver certa justiça em quem quer tirar proveito por um lado ser prejudicado quando se dá o inverso. Mas é óbvio que as reais questões que precisam ser levadas em conta numa eleição passam muito ao largo desse debate, que se apega muito mais às sensações e ao clima abstrato em torno da Copa.
Eleitor costuma ser vez por outra surpreendente, para o bem ou para o mal. Raramente se prende a convenções. Até erra – e como! – mas costuma haver certa lógica no raciocínio. Nos próximos dias, haverá seguramente o impacto emocional, de pessimismo, que pode influenciar não apenas a percepção sobre a política, mas sobre a vida. Um sentimento de que é preciso mudar tudo. Mas, daqui até outubro, a sensação pode até perdurar, mas de forma residual. O eleitor levará em conta outros aspectos na hora de decidir o voto.
Uma coisa que o marqueteiro Chico Santa Rita aponta, com propriedade, é que o eleitor não escolhe candidato como que adquire um produto. A formação de consciência eleitoral é diferente da relação de consumo. Quando compra um sabonete, até se pode levar pelo impulso, a embalagem, aspectos que agem no momento e levam a se pagar pelo que nem se precisa. Mas a escolha do candidato, por mais precária que seja, é minimamente mais refletida. Ninguém costuma discutir com a família e os amigos a aquisição de um xampu ou de um pacote de bolachas. A decisão do voto pode ser atropelada e irrefletida, mas ela se dá, no caso das eleições majoritárias, ao longo de pelo menos algumas semanas.
Assim, a bem do interesse público, não será o impacto emocional que cerca a Copa que decidirá se Dilma Rousseff será reeleita ou não. A competição terá seu peso, sim, na organização, nos acertos, nos problemas e nas contradições. Mas não creio que, para o bem ou para o mal, ela seja tão determinante. Será um dos aspectos do julgamento sobre um governo e terá seu peso, sobretudo em relação à organização e ao legado. Mas não penso, definitivamente, que a emoção contra ou a favor do Mundial, a conversa de “Copa das Copas”, o vexame do Brasil ou o eventual título da Argentina irão determinar o próximo presidente. Ainda creio na capacidade de discernimento do brasileiro.
DISCERNIMENTO EM QUESTÃO
Há momentos, todavia, em que a capacidade do eleitor de tomar decisões realmente é questionada de forma intrigante. Um dos assuntos que agitam as eleições nos estados é a possibilidade ou não de candidatura do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (PR). Ele foi cassado por acusação de envolvimento em um dos mais escandalosos e fartamente documentados casos de corrupção dos tempos recentes. Recentemente, foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF). Mas, por alguns dias de diferença, seu caso não deve ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Tem chances de continuar candidato. Essa não seria a pior parte, não fosse o fato de Arruda há algum tempo liderar as pesquisas. Aí não vou ser eu a julgar se ele é culpado ou não. Deixo isso para a Justiça. Mas é inacreditável que, diante justamente dessas decisões judiciais e apesar da recente cassação, ainda haja tanta gente disposta a elegê-lo. O desastre administrativo do Distrito Federal – antes e depois, não apenas durante a “era Arruda” – ajuda a explicar em parte a razão do fenômeno.
O ESTADO NO ESPORTE
De volta ao assunto Copa, depois da calamidade que acometeu a seleção brasileira, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB), disse que o governo Dilma pensa – e já pensava antes da Copa – em intervir na gestão do futebol. É verdade que havia sinalizações anteriores, sim. Mas também é fato que vinha havendo conveniente silêncio, por questão de convivência política durante a Copa. Agora, que essa conversa retornar após a surra diante da Alemanha soa oportunista, também é verdade. Rebelo comandou a CPI da CBF ainda no governo Fernando Henrique (PSDB). Conhece bem a sujeira nos bastidores da entidade. Ainda que para jogar para a plateia, se houver ação por mudanças estruturais na política do futebol e no desmonte dos feudos, já será muito bem-vinda. Mas é bom correr. O governo está chegando ao fim e não é honesto esperar pela incerta reeleição para concretizar que o próprio governo julga necessário, conforme admite o ministro.
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