Moro condenou Lula por ‘ato de ofício indeterminado’, ou seja, não existente
Batalhar com a defesa de Lula é só uma das tarefas, e talvez não a mais árdua, do trio de magistrados que julgará o recurso de Lula daqui a três dias. A outra tarefa é batalhar com a sentença do juiz Sergio Moro que condenou Lula a nove anos e meio, no caso do apartamento de Guarujá. A rigor, estarão em julgamento o réu Lula e a sentença de Moro, a ser julgada em seus possíveis erros e acertos. E nesse julgamento paralelo os três juízes federais se deparam com malabarismos dedutivos, justificativas gelatinosas e vazios que, para serem aceitos, exigiriam o mesmo do novo julgador.
O próprio julgamento pelo trio é uma atribuição problemática. A ser obedecida à risca a determinação legal, os casos do apartamento (julgado agora) e do sítio teriam tramitado e seriam julgados na região em que se localizam, São Paulo. A alegação artificiosa, por Moro, de que os dois casos relacionavam-se com as ilegalidades na Petrobras, levou o então relator Teori Zavascki a autorizar o deslocamento. Nem por isso a alegação ganhou legitimidade, porque a tal ligação com os fatos na Petrobras nunca se mostrou. O processo e o julgamento ficaram fora do lugar, e o recurso entrou no mesmo desvio, até o tribunal em Porto Alegre.
A diferença é que, ao contrário do pescador, que respondia por estelionato, as ações pelos crimes imputados ao ex-presidente não costumam ser decididas em período tão rápido na corte.
Levantamento feito pela Folha aponta que, em 2017, apenas dois processos públicos por corrupção foram decididos em menos de 150 dias no TRF-4. No caso de lavagem de dinheiro, nenhum de mérito foi julgado –foi apenas decidido em um caso que a competência para decisão é da Justiça Federal do Rio Grande do Sul.
A velocidade da tramitação levantou questionamentos da defesa de Lula e, no último dia 15, o presidente da corte, juiz federal Carlos Eduardo Thompson Flores, rebateu as indagações. Ele juntou uma lista de 1.326 ações julgadas em até 150 dias no tribunal em 2017 –48,9% do total das decisões criminais.
“Verifica-se que a celeridade no processamento dos recursos criminais neste Tribunal Regional Federal constitui a regra e não a exceção”, disse no documento.
Contudo, entre os 1.263 processos públicos (63 estão em segredo de Justiça) relacionados por Flores, apenas os dois por corrupção –menos de 0,2%– tratam dos mesmos crimes da ação contra o petista, que ainda tem réus como o ex-líder da OAS Léo Pinheiro e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.
O julgamento está marcado para 24 de janeiro e pode não se encerrar nessa data, porque um dos três juízes da turma julgadora pode, por exemplo, pedir vista para ter mais tempo de analisar o caso.
No geral, uma minoria de crimes de colarinho branco e desvios são julgados no TRF-4 com a rapidez do processo de Lula. Da lista de Flores, apenas 11 tratam de peculato (desvios cometidos por servidores). Ainda assim, a maioria diz respeito a pequenos furtos em órgãos federais –por exemplo, um funcionário dos Correios acusado de se apropriar de dez telescópios.
Há, também, dois processos por fraudes a licitações em cidades do interior.
Outros processos dizem respeito a ações da Polícia Federal de combate a lavagem de dinheiro e corrupção –mas foram julgados pedidos de desbloqueios e restituição de bens, e não as acusações contra os réus.
Não há ações de mérito, por exemplo, sobre questões da Lava Jato. Da operação, só foi analisado um processo de desbloqueio de bens de um ex-gerente da Petrobras.
Também foi julgado pedido de prescrição do crime de um réu do caso Banestado, precursor da Lava Jato.
Quase metade (49,1%) dos processos julgados é relacionado a crimes de contrabando e descaminho (mercadoria que entra no país sem pagar tributos). Na maior parte, sobre motoristas flagrados com produtos irregulares nas estradas –muitas vezes são pacotes de cigarros.
DIFERENCIADO
Apesar da tramitação rápida, o recurso de Lula não é o mais célere da Lava Jato no TRF-4. Em 2015, a apelação do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró foi analisada em 138 dias.
Este ano, o processo mais rápido é o que diminuiu a pena do ex-deputado Eduardo Cunha. Correu em 173 dias.
Lula foi condenado na primeira instância, pelo juiz Sergio Moro, a nove anos e seis meses de prisão em julho e o recurso chegou em 42 dias no TRF-4, recorde na Lava Jato.
A defesa de Lula diz que o recurso “tramitou com velocidade diferenciada”. “Esse fato, associado a declarações anteriores do presidente do TRF-4 sobre o mérito do recurso de Lula, sugerem que o ex-presidente não está tendo direito a um julgamento independente”, diz o advogado Cristiano Zanin Martins.
“O processo do tríplex começou com 16 mil páginas e hoje tem cerca de 250 mil.”
Lula foi acusado de receber um tríplex reformado da OAS como propina. Ele nega. Se condenado em segunda instância, pode ter que cumprir pena e ainda ficar inelegível.
Por Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário