Pessadelo perto do fim - O que falta para darmos o golpe fatal na Covid-19 no Brasil?

terça-feira, outubro 19, 2021

Após tanta tragédia vivida, o País entra em uma fase otimista, em que a doença parece estar sendo vencida. E podemos fazer isso acontecer mais rápido

Jovens de Israel jogam máscaras para o alto no dia em que o país desobrigou seu uso | Foto: Yonatan Sindel /lash90

Por Euder Dias 

Já no início, era apenas a inquietação com a novidade que aparecia na China em dezembro de 2019: um novo vírus que parecia muito contagioso estaria infectando e matando pessoas. As autoridades do país tentaram minimizar, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu alertas que, por várias semanas, se colocavam no fio da navalha, entre uma cautela necessária para evitar o pânico e a eventual urgência sanitária. Por aqui, todo mundo levando a vida normalmente, apenas os mais bem informados torcendo para que a coisa fosse controlada.

Mas não teve jeito: o Sars-CoV-2 se espalhou de tal forma e com tal velocidade que, em 11 de março de 2020, a pandemia foi decretada como tal. Desde os primeiros casos suspeitos na chinesa Wuhan, já são quase dois anos nos quais a doença fez estragos e trouxe perdas incalculáveis, paralisando economias, destruindo PIBs e, muito mais grave, deixando um rastro de dor e luto para quase 5 milhões de famílias pelo mundo todo.

No Brasil, foram mais de 600 mil vidas perdidas, em meio a um drama particular: um governo federal que inacreditavelmente trabalhou contra as medidas sanitárias, atrasou a compra de vacinas e fez propaganda de medicamentos ineficazes. O resultado disso está no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investigou, por seis meses, a condução da pandemia pelas autoridades brasileiras.

Tudo isso é apenas um breve histórico sobre uma incomensurável tragédia, que vai, no entanto, dando sinais de arrefecimento. Na semana que passou, apesar de variantes perigosas ainda assolarem o planeta e de a cobertura vacinal estar bem aquém do necessário, globalmente falando, vieram ótimas notícias. Ótimas notícias especialmente para o Brasil.

Por aqui, a média móvel de mortes chegou aos menores níveis desde maio de 2020, quando a curva de óbitos começava a ficar mais íngreme e ainda não havia a mínima noção de qual seria seu teto – infelizmente muito mais alto do que os prognósticos mais pessimistas. O número de mortes diárias é agora 10% do que havia em abril, quando em 24 horas morriam de Covid-19 mais de 3 mil brasileiros.

Da mesma forma, o número de casos é sete vezes menor do que no pico. São 11 mil registros diários, o que ainda é muito para que já houvesse – como tem havido – qualquer relaxamento no combate ao coronavírus. Mas, novamente, a última vez que o Brasil tinha tido um nível tão baixo assim de contaminação diária havia sido em maio do ano passado.

Mais uma boa novidade? Os dados mostram que as hospitalizações por Covid estão diminuindo: na quase totalidade das unidades federativas, a ocupação de leitos já é inferior a 50%, o que alivia as equipes médicas e, por consequência, dá uma melhor qualidade ao atendimento de quem precise.

Tem mais: um dado importante, a taxa de transmissão, é monitorado semana a semana pelo Imperial College, de Londres. E, na última, segundo o centro de pesquisa, o índice, chamado Rt, ficou em 0,60. Isso significa, com segurança – ou seja, dentro da margem de erro –, que a pandemia, neste momento, está sob controle no País. Quando o índice fica abaixo de 1, isso indica uma queda no ritmo de contágio, pois o número de transmissão é menor do que o de pessoas que estão infectadas.

Porém, com a taxa superior a 1, há mais gente se infectando do que o número atual de contaminados e a pandemia se acelera. Era o que ocorria por aqui em março, quando a segunda onda se preparava para seu auge: o Rt chegou a 1,23, com cada 100 brasileiros contaminando outros 123.

Esses números animadores têm um mesmo fundamento. Uma palavra de três silabas que, durante muito tempo, por conta de um projeto que, apesar dos esforços da CPI, ainda não conhecemos muito bem – mas que só pela superfície já se sabe o quanto foi nefasto –, foi negligenciada de forma oficial por aqui: va-ci-na.

A semana passada terminou com mais de 150 milhões de brasileiros e brasileiras vacinadas com a primeira dose. Mais de 100 milhões, inclusive, já receberam também a segunda. Melhor: os idosos e profissionais de saúde que já se imunizaram há mais de seis meses estão tendo a oportunidade de tomarem a dose de reforço.

Uma abertura de parênteses aqui para um lamento por mais uma leva de mortes desnecessárias: ainda há muitas pessoas (a imensa maioria de idosos) que receberam a imunização completa (com duas doses) e estão hospitalizadas, parte delas em estado grave. É que os imunizantes à base de vírus inativo têm demonstrado uma queda mais acentuada de proteção com o passar do tempo, por isso a necessidade da terceira dose. O drama é que muitos morreram a menos de um mês de receber essa imunização de reforço.

O lamento se justifica porque o Brasil poderia ter começado o processo de vacinação ainda em dezembro – e com o imunizante mais eficiente, de RNA mensageiro, já que a Pfizer procurava o governo federal desde agosto. A Coronavac cumpriu seu papel, principalmente por acelerar as intenções oficiais – o Ministério da Saúde, comandado pelo general Eduardo Pazuello, havia programado o início do programa de imunização para março(!). Para refletir: se a vacinação começasse em dezembro, e com Pfizer, quantas vidas não teriam sido poupadas? Isso não pode jamais ser esquecido. Fecham-se os parênteses.

O cenário atual do Brasil é animador, é inegável. E isso se deve não à cloroquina ou ao kit Covid, mas a duas conquistas genuinamente nossas: uma é o Sistema Único de Saúde, tão criticado quanto capilarizado – e foi por essa característica que ele fez toda a diferença para alcançar o braço de brasileiros nos rincões mais longínquos. A outra é a cultura nacional da vacinação, cultivada por décadas de campanhas, desde o período militar.

Assim, por mais que o discurso negacionista oficial tentasse abafar os dados e os relatos sensatos da ciência, abrindo uma narrativa criminosa e sem sentido, mesmo os que se posicionaram politicamente contra as restrições de governadores e prefeitos, em sua grande maioria, cumpriram o dever cívico de se vacinar. E é bom sempre lembrar que não há ato de “liberdade” individual que se sobreponha à proteção da coletividade, ainda mais se o indivíduo for mesmo um patriota.

A luz no fim do túnel
Chegamos aqui a um ponto interessante, então: se estamos vislumbrando a luz no fim do túnel da pandemia, o que podemos fazer para chegar a ela mais rapidamente? Como dar o golpe fatal no coronavírus?

Não são coisas tão complicadas e nem mudariam tanto a rotina que tivemos, mas com certeza dariam um “boost” na desaceleração da pandemia, talvez fazendo com que pudéssemos nos livrar mais rapidamente das máscaras e, quem sabe, voltar logo a fazer com tranquilidade aquela velha e boa aglomeração, seja no estádio, seja no teatro, num show de rock ou apenas uma confraternização com os amigos.

A primeira é básica: vacinar todas as doses necessárias assim que o prazo chegar e convencer todas as pessoas conhecidas a fazerem o mesmo. O grande problema do aumento de casos e de mortes em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, que largaram muito na frente na corrida da vacinação, é a estagnação da campanha de imunização. Ao contrário do Brasil, lá o movimento antivacina – os antivaxx – é forte.

Homem coloca máscara PFF2: ao contrário da proteção em tecido, usadas corretamente elas realmente evitam a contaminação | Foto: Reprodução

A segunda estratégia é algo que poderia já ter sido implantado se houvesse vontade política dos governos: a troca das máscaras de tecido por máscaras PFF2, ou N95. Para a volta ao trabalho, principalmente em ambientes fechados, são essas proteções faciais mais avançadas que podem garantir um nível realmente seguro para o desempenho das funções. Estudos mostram que a combinação de boa ventilação com máscaras eficientes – e usadas da forma adequada – reduzem quase a zero o risco de contaminação mesmo em lugares fechados, como escritórios, salas comerciais, agências bancárias, lojas e consultórios.

O doutor em Engenharia Biomédica pela Universidade de São Paulo (USP), Vitor Mori, é um dos entusiastas das máscaras PFF2. Durante toda a pandemia, ele usou seu perfil no Twitter para orientar as pessoas de modo bastante sensato e adequado a cada nova descoberta da ciência sobre a contaminação. Hoje, ele receita, de forma bem didática: “Menos álcool em gel, medir temperatura, tapete sanitizante e barreiras de acrílico; mais máscaras de boa qualidade, boa ventilação dos espaços e prioridade para ambientes ao ar livre. A gente tem que focar no que de fato importa e no que a gente sabe que funciona”, resume.

Mori ressalta que o cuidado com a higiene das mãos é necessário para prevenção de qualquer doença, mas volta sua preocupação para a contaminação pelo ar – as superfícies são responsáveis por menos de 1% (talvez bem menos) dos registros de infecção pelo coronavírus. Em suma: se as pessoas transferissem o dinheiro gasto em álcool em gel para a compra de máscaras PFF2, usando-as corretamente, elas fariam um investimento literalmente mais seguro.

Com a aplicação da terceira dose em idosos e pessoas com imunidade baixa em geral, a tendência é de que o número de mortes por Covid-19 caia ainda mais. Em breve, quem sabe, para a casa de menos de cem óbitos diários.

Depois de tudo o que vivenciamos no Brasil, fechar o ano vendo a pandemia se esvair, com redução considerável de casos e mortes, será um grande presente de Natal. Ainda que se mantenha cautela com as festas de fim de ano, pelo menos para a família já vacinada vai dar para mostrar aquele sorriso guardado tanto tempo detrás da máscara.

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