Passagem de Frei Damião por Custódia

sábado, novembro 17, 2012



A princípio o taumaturgo descreveu as delícias do céu, os querubins tocando harpa e uma nuvem de incenso vagando no azul, entre anjos e santos. A multidão ouvia em silêncio, maravilhada e boquiaberta. Então, de repente, o frade mudou. Sacudiu os braços e soltou a maldição terrível: – Homens sem Deus, mergulhados na lama do pecado. Amancebados! Mentirosos! Adúlteros! Arrependei-vos de vossos pecados! – E passou a descrever as torturas do inferno. Labaredas subiam, tochas ardendo, um relógio marcando: Sempre! Sempre! Nunca! Nunca! Que são as horas da Eternidade. E no meio da fornalha, o suplício do fumaceiro de enxofre sufocando tudo. Aí a multidão se abateu, lábias ciciavam. “Eu pecador, me confesso a Deus”, almas tremendo de pavor, como corpos sacudidos de maleita. Junto de mim um matuto de Quitimbu tinha os olhos esgazeados. Cheguei mesmo a ver o suor lhe empastava a fronte morena. Uma velha traçou o xale com força, cobrindo a cabeça tôda, temendo a baforada do satanás. E ao meu lado um soldado desatou o lenço que trazia ao pescoço, como se a coisa lhe abafasse a respiração. E, voltando-se para um companheiro, avisou que ia tomar uma “bicada” pois o cheiro de enxofre estava lhe sufocando a garganta. Depois, Frei Damião baixou os braços, serenou a voz. Nunca, na minha vida, vi silêncio maior. A praça parada, o povo de lábios chumbados, os olhos fitos no frade (…) então o frade rezou. E a multidão respondeu, contrita e imóvel, como se, ao invés de milhares de vozes ali estivesse apenas uma só pessoa, postada diante do pregador famoso, na hora do juízo final, prestando contas ao Altíssimo.”


Trecho de Frei Damião – O Missionário dos Sertões livro lançado em 1953, escrito pelo poeta Luis Cristovão dos Santos. Mostra a vida e trajetória de Frei Damião pelo nordeste brasileiro.

Luís Cristovão dos Santos (Pesqueira, 25 de dezembro de 1916 — Recife, 30 de junho de 1997) foi um sociólogo, antropólogo, folclorista, cronista, escritor, promotor público e jornalista brasileiro. Também era conhecido pelos pseudônimos Ziul e Pajeú.

Estudou em Pesqueira e no Recife e concluiu o curso de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, em 1944. Funcionário Público Federal e Estadual, foi promotor de Justiça em diversas comarcas do sertão pernambucano. Diretor do jornal Gazeta do Pajeú durante a década de 1950, foi candidato a Deputado Estadual pela UDN – União Democrática Nacional em 1947 e após obter 1339 votos ficou como suplente, também saiu candidato a vice-prefeito da cidade de Arcoverde em 1955 na chapa de Antônio Napoleão, participou ativamente na história cultural e política de Pernambuco, lutando por seus direitos e defendendo o Estado. Foi Chefe do Departamento Criminal do Estado de Pernambuco de 1976 a 1986. Devido a morte prematura de um filho, aposentou-se como advogado de ofício segundo a OAB, Ordem dos Advogados do Brasil.

Escritor desde adolescente, Luís Cristóvão dos Santos também foi jornalista (A Voz do Sertão, Gazeta do Pajeú, Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio), colaborador do Suplemento Cultural do Diário Oficial do estado de Pernambuco e em vários outros jornais do país, dentre muitos outros trabalhos publicados, contribuiu com muitos trabalhos na imprensa nacional e italiana.

Livros publicados:

Hino ao Sertão (1937)
Adolescência (1950)
Bilhetes do Sertão (1950)
Padre Cottart – Um vigário do Pajeú (1953)
Carlos Frederico Xavier de Brito – O Bandeirante da Goiaba (1953)
Frei Damião – O Missionário dos Sertões (1953)
Caminhos do Pajeú (1955)
Brasil de Chapéu de Couro (1956)
Caminhos do Sertão (1970)
Chão de Infância (1983)
Paisagem Humana do Pajeú (inacabada)

Mais sobre Luís Cristovão dos Santos, acessando a Wikipedia.
 
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